terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Alberto Silva "Pepino", O Gladiador do Asfalto

                        estórias do nosso mundo

     Quando se aventou a escolha de um nome para o novo estádio construído na cidade de Benguela, no âmbito do CAN-2010, ocorreu que era finalmente chegado o momento de se prestar a justa homenagem ao grande ícone do desporto angolano: Alberto Silva “Pepino”. Atleta lendário. Começou como futebolista nas grandes equipas de Angola no final dos anos 30 e 40 do século passado, ao mesmo tempo que praticava atletismo. Quando todos pensavam que "Pepino" iria pendurar as chuteiras, eis que escolhe a bicicleta, como sua inseparável companheira. E com ela continua a fazer história. Surpreendendo tudo e todos “Pepino” continua na estrada. Infelizmente o nome de "Pepino" foi preterido e o estádio leva um nome cujas origens e significado carecem de pesquisa científica para serem aceites. Mas isso é outro assunto.
      Falemos do nosso herói. Quase a chegar à barreira dos 90 anos de idade, as pernas fortes pedalam a um ritmo cadenciado. O suor escorre generoso. Pelas marcas na face marcada pelo tempo, brota a seiva da vida orgulhosamente vivida. No coração palpita a audácia do eterno jovem benguelense, maravilhado pelas longas distâncias. Esteve recentemente nos EUA numa competição para veteranos e levantou bem alto a bandeira do nosso país. Agora pretende realizar uma prova na sua terra natal, com a participação de atletas oriundos de outras paragens. O projecto está na forja e certamente será concretizado.
     Existem pessoas que não entendem a vida distante da arrebatadora paixão, de estarem em desafio permanente com as fronteiras de suas próprias capacidades. São os aventureiros que palmilham o mundo lutando, não contra adversários de sua espécie, como acontece nos desportos convencionais. Esses vão mais além. Ao partir para uma de suas incríveis odisseias Fernand Fournier-Aubry sentenciou que quando o vento da aventura sopra o que temos a fazer é deixar-nos ir. “-Antes de seguir o meu caminho quero libertar-me de tudo: das minhas alegrias, do meu sofrimento, do meu suor, dos meus segredos. Quero oferecer tudo. Limito-me a devolver pois, o que dou não me pertence”, escreveu na sua imortal obra D. Fernando.
     Ao ver Pepino vergado sobre a sua bicicleta pedalando firme, sem lamentos, superando um desafio aos seus limites, era impossível ficar indiferente. Na manhã ensolarada do dia 14 de Novembro de 2005, tempo das acácias rubras florirem, os benguelenses viram mais uma vez partir o seu herói de sempre. Os mais velhos reencontraram a magia dos inolvidáveis acontecimentos vividos no passado. Para os jovens, ficava o testemunho exemplar de que o homem nasceu para lutar e vencer as barreiras da adversidade, nunca desistindo até se extinguir o derradeiro sopro de vida.
    Quando tinha 53 anos de idade, em 1973, Alberto Silva correu a pé, em 47 horas, a distância entre Huambo e Benguela. Fora uma aposta com amigos e ganhou 100 contos portugueses pelo feito. Mais tarde voltou a protagonizar outra façanha, ao percorrer a pé as 7 centenas de quilómetros que separam Benguela e Luanda, logo a seguir a proclamação da Independência Nacional, em memória das viúvas e dos orfãos da guerra angolana.
     Em 2005, decidiu fazer o mesmo percurso em bicicleta. Não se pense que foi para encontrar facilidades. Nada disso. No leque da actividade desportiva, o ciclismo é considerada, em si, uma modalidade penosa. O atleta tem apenas duas rodas, um selim e uma pedaleira aparafusados a um quadro metálico. O resto são quilómetros e quilómetros de estrada pela frente. Durante horas os ciclistas competem expostos ao sol, à chuva e à sinuosidade do percurso.
     Devido ao seu estoicismo eles ganharam justamente o cognome de gladiadores do asfalto. Apenas atletas de eleição conseguem inscrever o seu nome da galeria dos campeões.
     Qualquer desses ciclistas pedalaria com relativa facilidade os 650 quilómetros que separam Benguela da capital do pais. No entanto, o caso mudaria rapidamente de figura se, a seu lado, pedalando com o mesmo ânimo, aparecesse um homem que tem nada mais nada menos do que a idade de seu bisavô. Na certa esse homem atenderia pelo nome de Alberto Silva, ou simplesmente “Pepino”.
     Ao passar a barreira dos 88 anos de idade, o consagrado ciclista continua a mostrar a sua infatigável energia, percorrendo distâncias, em nome da luta contra o flagelo do Sida, que ameaça tirar a vida a milhões de crianças portadoras do vírus mortal, sobretudo no continente africano. Nobre e generosa, a sua odisseia chama a atenção do pais e do mundo.
     “Pepino” parece querer inverter o curso irreversível da vida, buscando no implacável passar dos anos, a fonte para a sua inesgotável vitalidade. Mais uma vez faz ecoar o grito inconfundível de quem desconhece os limites da idade. Com suas pedaladas de gigante ele transporta na bagagem a gloria de um povo sofredor que conquista com dignidade o seu lugar entre as nações do mundo, tal como o brilho do Sol refulge no horizonte após a noite de tempestade.
     Com seu gesto o veterano atleta impele-nos a mergulharmos no oceano da redenção, daquilo que de profícuo poderíamos ter feito em prol dos demais. E o pior que tudo, faz-nos refén da culpa de, amiúde, nos apoderarmos indevidamente do pouco que também aos outros pertence, com o fito de alimentarmos o nosso egoísmo desmedido.
     O mundo seria certamente um lugar melhor para todos vivermos, se o homem não fosse o lobo do próprio semelhante.
     Por isso, ao vê-lo pedalar, silencioso, sem um único queixume, desafiando suas próprias fronteiras, invade-nos a estranha sensação do pecado cometido. Da cumplicidade em teimosamente nos postarmos nas  arquibancadas da indiferença, ouvindo, impávidos, ecoar bem junto aos nossos ouvidos, a lancinante sinfonia dos deserdados do nosso mundo injusto e cruel.

     BEM HAJA ALBERTO SILVA "PEPINO" !

2 comentários:

Anónimo disse...

Pepino um grande abraço, tambem para o Jaime A.ainda bem que ele abriu este blog e descreve uma peqena parte da tua biografia que bem mereces e Benguela te deve, mas o Jaime sabe fazer coisas boas esta foi mais uma bem haja,andava há tempo para entrar em contato com ele,tive um grande azar já fiz duas operações à culuna,a prima dele Adelia è que me faz a fisioterapia,sou o Araujo das peças em frente rádio morena, desejo,festas felizes

TorresBraga disse...

Deus te abencoe e te conceda mais vida Sr. Alberto Silva (Pepino). Este e' sem duvidas um grande texto, daqueles que os nossos estudantes precisam repetidamente ler para aperfeicoar a semantica e o Lexus gramatical e ate indo mais longe este texto deveria ser compilado nos novos livros de Lingua portuguesa para que todos saibam um pouco da Historia de Angola. Jaime Azulay estas de parabens.