quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Lobito, A Cidade e o Mar

      2 de Setembro de 2010: Lobito completa 97 anos
         
          Em meados do século XIX o florescimento de Benguela parecia ter chegado a um beco sem saída. A velha “Cidade Mãe das Cidades” enfrentava um período de estagnação resultante da conhecida crise nas matérias-primas de exportação, como a cera e a borracha, a qual se juntou o fim do comércio de escravos. Para agravar a situação, o seu clima severo tornou-a indesejável aos forasteiros, chegando a ser apelidada de “cemitério dos europeus”. No ano de 1842 D. Maria II assinou as portarias régias que ordenaram a deslocação da capital de Benguela para uma zona mais aliciante, precisamente onde hoje se situa o Lobito,  mais favorável para a criação de pólos urbanos, limitada por morros, baixa e quebra-mar (a restinga). 
          Devido a sua implantação urbanística e desenho arquitectónico, o Lobito representa um caso “sui generis” em Angola. O núcleo mais representativo e mais antigo da cidade é a conhecida restinga. Trata-se de um cabelo de areia virado para o Norte e com uma extensão de 2,5 km. Entre a restinga e o continente, encontra-se uma baía totalmente abrigada, onde se construiu o “Porto do Lobito” considerado porto oceânico de primeira classe e um dos mais importantes da costa ocidental africana.
          A restinga é a parte velha da cidade. O seu perfil arquitectónico denota a indisfarçável presença colonial portuguesa. O património imobiliário inclui, igualmente, exemplares únicos da chamada “arte-nova”. Noutros edifícios antigos, facilmente se vislumbra a influência dos mestres ingleses que no início do século XX estiveram envolvidos na construção do Porto e dos Caminhos-de-Ferro de Benguela (CFB).
          Desde cedo a expansão do pólo urbano da restinga ficou condicionado pela limitação de espaço. A cidade tinha crescido até onde o obstáculo natural lhe permitiu. Depois sucedeu a conquista da zona oposta a da Restinga. Nasceu assim o Bairro do Compão a partir de um acampamento destinado ao pessoal que labutava nas obras de construção do Porto e mais tarde dos CFB. O aglomerado de barracas era designado pelos engenheiros e outros técnicos ingleses por “Compound”. Dali a palavra foi “aportuguesada” pelo pessoal angolano para “Compão” . E assim permanece até hoje.
          Desde cedo veio á tona um problema que tornava problemática a expansão urbana do pólo iniciado na restinga. O Lobito é um espaço onde predominam águas interiores. Por esse facto era considerado “o chumbo” dos urbanistas e arquitectos devido a sua complexa morfologia. Os menos avisados deixaram ali os seus créditos e muitos não conseguiram mais recuperar a reputação perdida. Lagoas e mangais (devido a floresta de mangues que existia) condicionavam a implantação de edifícios para albergar os novos habitantes atraídos aos milhares devido as múltiplas possibilidades de ocupação e de negócios que a construção do Porto e dos caminhos-de-ferro proporcionava.
          A solução escolhida para os engenheiros foi proceder-se a sucessivos aterros e drenagens das zonas alagadas, conquistando espaço em terra firme a fim de ali se implantarem novos fogos. Ampliou-se o Compão, nasceram depois a Caponte, o Académico e outros bairros mais ou menos recentes, até chegar-se a uma nova situação de congestionamento urbano. Vozes sensatas defendiam a manutenção dos mangais que eram povoados por colónias de flamingos rosados e  garças. As lagoas são o “habitat” dessas aves devido a existência de espécies marinhas que lhes servem de alimento.
          Olhou-se então para o morro da Bela-vista e chegou-se à conclusão de que a solução estava ali. Iniciou-se então a ocupação dos terrenos sobranceiros ao morro da Bela-vista estendendo-se para a zona da Quileva. Estes ofereciam ilimitadas possibilidades de crescimento. Rapidamente se criaram condições para a fixação de múltiplas industrias nos ramos da construção e reparação naval, metalo-mecânica, alimentos, bebidas, entre outras. Por todo o lado cresceram as casas comerciais.
          Alguns pesquisadores consideram o Lobito como “Cidade Sem Historia”, em comparação com a vizinha Benguela, fundada nos alvores da colonização portuguesa por Miguel de Cerveira Pereira. A criação do Lobito é atribuída a uma portaria de 2 de Setembro de 1913 (completa hoje 97 anos), contudo muitos investigadores refutaram a tese. O arquitecto e urbanista Castro Rodrigues refere num estudo que, muito antes dessa data, já os povos locais conheciam esta baixa alagada, chamando-a de “olupito”, designação da língua ovimbunda que significa passagem, caminho, passadeira.
          “Olupito” era itinerário obrigatório das caravanas oriundas do interior para o litoral de Benguela, a fim de praticarem o comércio de escravos, cera e borracha com os portugueses. De “Olupito”, nasceu o nome da cidade que tem toda a sua existência ligada ao mar. Foi o mar, a porta para o mar, que definiu o pólo urbano muito antes das portarias regias e dos decretos de D. Maria II.
PARABENS LOBITO!

4 comentários:

TONI TAVARES disse...

Dilecto Jaimito. Que bom ouvir fa- lar da história desta terra que amamos, a única que temos, afinal.
Lembro e com saudade, do antigamen-te, no tempo do nosso tempo, quan-do se dizia que Benguela era a sala de visitas de Angola e o Lobito o WC... Ao passar-se pela Ponte Carmona, aquilo é que era apertar o nariz e, pelos mangais idem aspas.
Meu irmão, aquele abraço.

Anónimo disse...

Caro Sr.
o artigo que produziu sobre o Lobito é excelente. No entanto alerto-o para as Raínhas em questão . Não é D. Maria I mas sim D. Maria II pelas datas indicadas, pois D. Maria I morreu em 1816.
sem mais , grato pela atenção F.B.

Jaime Azulay disse...

Os meus agradecimentos a chamada de atencao do Sr.F.B. Que permitiu corrigir o lapso, pelo qual peco sinceras desculpas. De facto se trata de D. Maria II de Portugal, de seu nome completo Maria da Glória Joana Carlota Leopoldina da Cruz Francisca Xavier de Paula Isidora Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga de Bragança; Nasceu no Rio de Janeiro em 4 de Abril de 1819 e morreu em Lisboa a 15 de Novembro de 1853. Era filha do rei D. Pedro IV (Imperador do Brasil como D. Pedro I) e da imperatriz Leopoldina de Hasbsburgo . Foi cognominada de A Educadora ou A Boa Mãe, em virtude da aprimorada educação que dispensou ao seus muitos filhos. Foi a 31ª Rainha de Portugal e dos Algarves, d’Aquem e d’Alem-Mar em Africa, Senhora da Guine e da Conquista, Navegacao e Comercio da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia.
Quanto a D. Maria I de Portugal (Maria Francisca Isabel Josefa Antónia Gertrudes Rita Joana de Bragança)esta nasceu em Lisboa em 17 de Dezembro de 1734 e morreu no Rio de Janeiro em 20 de Marco de de 1816. Foi rainha de Portugal de 24 de Marco de 1777 a 20 de marco de 1816 sucedendo ao seu pai, o rei D. José I. Ficou conhecida pelos cognomes de “A Piedosa”, devido à sua extrema devoção religiosa. E finalmente como “D. Maria, a Louca” (assim chamada no Brasil), devido à doença mental manifestada com veemência nos últimos 24 anos de vida, depois da morte do seu filho primogénito, que ela havia se recusado a vacinar contra a varíola por motivos religiosos.

Anónimo disse...

Caro Jaime Azulay

É com muito agrado que a Direcção do Moto Clube do Porto, Portugal, regista esta sua iniciativa mototurística.
Significa essencialmente que, com um clima de Paz, os angolanos já podem sonhar com viagens de moto e ousarem-se pelo Vosso belo Continente.
Muitas felicidades para a viagem e aventura.
A moto é formidável para nos estender os horizontes!

Ernesto Brochado
Moto Clube do Porto