domingo, 29 de novembro de 2009

MIG, O PÁSSARO DA MORTE

                                 Estórias do nosso mundo


      Quase não demos conta, mas sucedeu de um momento para o outro os MIG passaram a fazer parte do nosso quotidiano, tal era a frequência com que os víamos passar por cima das nossas cabeças. O espectáculo estava diariamente garantido.Voavam a baixa altitude e de repente subiam vertiginosamente para as alturas, expelindo fogo pela traseira do reator, como se fossem autênticos charutos voadores. E não se coibiam de realizar acrobacias surpreendentes por cima da cidade. Simulavam quedas em parafuso e depois endireitavam e voavam outra vez com normalidade. No fim, faziam suspirar de alívio os inúmeros espectadores que, de tanto olharem para cima, chegavam a ficar com dores no pescoço.
     Convém referir, no entanto, que nem sempre assim fora. A habituação à presença dos MIG por cima de nós, foi um processo que teve as suas fases, que vão do caricato ao trágico. Falou-se muito que os aviões barulhentos perturbavam as operações cirúrgicas que tinham o azar (para o doente,claro) de estar a decorrer na sala de operações do único hospital da cidade, no momento em que eles passavam. “Isso é probido internacionalmente, não se pode fazer isso”, reclamou um dia um mais velho que esteve na tropa tuga logo após a Segunda Guerra Mundial. Ninguém ouviu o antigo soldado.
     Recordo quando os MIG chegaram à Benguela, lá para os finais dos anos 80 e sobrevoavam a cidade à baixa altitude, a caminho da sua base na Catumbela. Era um autêntico Deus-nos-acuda, parecia que o mundo ficava às avessas. As pessoas corriam amedrontadas para dentro de casa e os cães tampouco se atreviam a ladrar, apesar de se dizer que os cães ladram quando vêm “cazumbis”. As mamãs içavam pelos braços os monas assustados e atiravam-nos porta adentro, enquanto os mais-velhos levavam a mão ao peito e depois abanavam a cabeça ressentidos.
     E assim os meses foram passando e depois os anos. O comportamento das pessoas face ao MIG foi mudando, naturalmente. De repente o ronco dos reatores já não assustava mais ninguém, salvo alguns convalescentes de tromboses recentes, mas esses não contavam na estatística final, como sempre acontece nisso de estatísticas. Quanto às crianças, essas ganharam mais um motivo para brincadeiras. Passaram a acenar contentes para o ar, à passagem dos jactos: “Olha migui, olha migui”, gritavam elas saltitando, como se conseguissem esconder-se entre as nuvens e pegá-los com as mãozinhas, como faziam com os papagaios de papel. Para a miudagem o acontecimento era uma genuína razão para faltar à escola. Na inocência da idade,  não conseguiam distinguir que o “migui” não era um pássaro qualquer, como os “siripipis” ou os “catuituis” que eles caçavam nos mamoreiros do cavaco com as suas fisgas. O MIG é o pássaro da morte.

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