terça-feira, 22 de dezembro de 2009

A incrível odisseia do "Dombolo Zangado"

                           estórias do nosso mundo


Aqui está o "Dombolo Zangado" em todo seu explendor, fotografado por mim durante uma pausa da nossa coluna na Catata, na estrada Cacula - Huambo, em 2000. Para que conste e os mais cépticos acreditem que tal personagem não é        ficção. Existiu de facto.

“DOMBOLO ZANGADO” O PORTA-ESTANDARTE DA COLUNA

       Viajávamos à caminho do Huambo com uma caravana de mais de 200 camiões com escolta militar. Naquele tempo uma viajem dessas chegava a durar um mês inteiro. Era tempo mais que suficiente para se encontrarem motivos de distração e de conversa fiada. Dessa vez, veio à tona que existia na coluna um espectacular (!) e especial camião. E lá fomos descobri-lo numa das inúmeras paragens. Todos queriam vâ-lo de perto. Foi assim que o “Dombolo Zangado” se tornou na mascote da nossa coluna. Aquilo era um camião de verdade, mas mais parecia um alface gigante com enormes rodas. O nome, em si, já era curioso, mas era o seu vulto estrambólico a despertar a curiosidade e a amizade de todos. Nós nos íamos  interrogando os motivos que teriam levado o proprietário a tingi-lo com um verde tão berrante, desesperadamente insuportável com o brilho do sol do meio-dia.
     Afinal o “Dombolo Zangado” tinha uma estória interessante a contar. Na verdade, tratava-se de um camião de marca “CRAZZ” do tempo dos camaradas soviéticos, um esqueleto monstruoso ressuscitado à martelo e escopro por um reservista das antigas FAPLA. Engrenava a caixa de velocidades com o mesmo rosnar dos gatos-bravos. O motor arfava ofegante como um destreinado corredor de maratona. Enquanto os restantes camiões suportavam a dureza das subidas sem tantos queixumes, o “Dombolo”, coitado, rolava aos soluços, ameaçando desintegrar-se em cada momento. O condutor era um sujeito com ares de sobrevivente de algum cataclisma ocorrido noutra galáxia. Tinha dentes desordenadamente escancarados, num semblante estacionado no cruzamento entre a alegria e o sofrimento. Tal motorista parecia ter sido escolhido à dedo para tripular semelhante veículo.
     Não tardou, o “Dombolo Zangado” passou a sofrer o escárnio do maralhal. Virara crença generalizada que ele não aguentaria a viagem até ao Huambo. Houve apostas e até quem prognosticasse um “KO” técnico logo ao primeiro assalto. No declive de 8% da pedreira do “Uche” o ajudante de uma plataforma de marca "Volvo" que lhe ia no encalço, jurou a mãos juntas ter visto uma nuvem agoirenta de vapor branco escapulir-se do inferno do radiador, como se estivesse a anunciar um iminente colapso. No entanto, para espanto de todos, o paquiderme resistira à subida do “Uche” e às outras que lhe seguiram. Dava a impressão que festejava cada façanha abanando as enormes rodas dianteiras por cima dos pedregulhos espalhados abundantemente pela estrada.
     Logo nos demos conta que o “Dombolo” não era um camião qualquer. Claro que ele não valia pelo ridículo da sua figura de camaleão trópego perdido no meio de esbeltas e velozes gazelas. O seu mérito era outro. Ao longo dos primeiros 400 quilómetros da nossa viagem para o Huambo pela estrada da Cacula, o velho camião soviético daria provas de insuperável resistência. Era notável o seu apetite para devorar crateras deixadas pelas minas. Isso sem falar na sua estraordinária capacidade de equilibrar-se em pontecos feitos com troncos de eucalipto, como um verdadeiro artista de circo. Digamos que o nosso artista nem precisava de buzina. Em movimento, a sua descomunal massa de ferro e borracha ouvia-se tilintar ao longe, como uma velha charanga desafinada.
     O “CRAZZ” era na verdade um monumento à estoicidade dos camionistas angolanos que ao longo dos anos arriscavam as suas vidas, circulando pelas estradas martirizadas, na luta para que o país jamais ficasse paralizado. O seu aspecto atabalhoado não ofuscava um indelével sopro de dignidade. Uma firmeza que enchia de orgulho os que integravam a coluna do Huambo. Em sua homenagem publico a foto do seu Bilhete de Identidade, captada algures entre a Caconda e a Catata. Para que conste.

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