terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Jô, um ajudante, um irmão

estórias do nosso mundo


O Jô fotografado por mim  na estrada Huambo-Kuito meses antes da sua morte
                  

        Foi como se o meu coração tivesse sido retalhado em mil pedaços de tristeza, quando a urna de madeira com o corpo do Jô lá, dentro baixou à terra no cemitério de Catengue, no dia 5 de Março de 2006. Depois de anos consecutivos de camaradagem na estrada, o Jô resolvera pregar-me a última partida. Tirou bilhete de vez, para a viagem sem regresso, até ao Calundo distante. Uma doença fulminante, deixara-lhe o figado completamente desfeito. Não houve sequer hipótese dos melhores medicamentos actuarem e fazerem-no levantar do leito da morte, como todos desejávamos, desde a sua família, a Rosita a minha esposa e os meus filhos, sobretudo o Carlinhos que ele tantas vezes metera ao colo.
     Quando um verdadeiro amigo se vai, leva com ele um pouco de nós. Um dia na berma duma estrada, enquanto o Jô montava a minha tenda, prometi-lhe ajuda para construir a sua casa. Disse-me que sonhara construir uma casa com dois quartos, uma sala e um quintal pequeno para as suas crianças brincarem. O homem para viver feliz não necessita estar em permanente sobressalto com o milímetro, com o centavo e a grama, quantas vezes retirados injustamente das mãos dos outros. O que vem de Deus é imenso. É o que eu preciso, por isso recebo sem vacilar.
     Outra ocasião ele fez-me rir até à exaustão. Estávamos parados numa caravana de camiões à espera-não-sei-de-quê ou de quem. O Jô veio a correr e contou-me ofegante o que vira: “ Mano lá no fundo os homens estão a fumar tabaco perigo, queriam me dar mas eu lhes fugi”. Sinceramente meu querido Jô! Claro que não se deve fumar liamba. No entanto, tem gente que não fuma tabaco perigo mas provoca danos sociais infinitamente maiores do aqueles homens que tu viste a fumegarem um tacozinho. E ninguém lhes prende, sabes porquê? É porque eles têm fatos e colarinho branco. Entendes? Não lhes ligues simplesmente, quando tentarem te dar algo que turve as tuas idéias com o véu negro que vai condicionar a tua visão do mundo. Atira-lhes ao rosto o teu desprezo e a grandeza do teu espírito.
     Por fim, irmão Jô, não poderia contar nenhuma das nossas aventuras na estrada sem dedicar-te estas singelas palavras, acompanhadas dos acordes do meu violão que também é teu. Contigo aprendi a dimensão filosófica da partilha e consegui derrubar as muralhas do egoísmo insaciável. /Meu camião rola livre pelas estradas do mundo/ suportarei a chuva do planalto/ o vento será o meu companheiro/ tu irás comigo na aventura/trocaremos o pneu furado / meteremos diesel no tanque para seguir viagem/ procuraremos sempre uma estrada/até chegarmos ao destino que escolhemos.

PAZ À SUA ALMA!

1 comentários:

Manuel Luis disse...

"As pessoas entram nas nossas vidas por acaso, mas não é por acaso que elas permanecem".
Foi nesta estrada que também perdi alguns amigos e que recordo com saudade.
Abraço