quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Um Poema para Benguela, a Minha/Nossa Cidade

     Na verdade nunca escondi o temor que nutro por alguns críticos das literaturas. Parece-me , por vezes, que eles são demasiado cruéis. Em nome de um rigor duvidoso, chegam a destruir sonhos desenhados na imaginação de pessoas anónimas, achincalham escritos esquecidos, arrumados em palavras sem métrica nem rimas, paridos simplesmente para vazar sentimentos irreprimíveis de dor e amor. Serão, na verdade poemas? Questionam. Ou por essa razão se afirma que de poetas e de loucos todos temos um pouco?
     O que quer que seja que achem e o que quer que digam, quanto a mim, nesse dia tão especial, prefiro esquecer os ditos-cujos e arriscar escrevinhar um poemazinho p’ra minha cidade. Queria que fosse um poema-calema, embrulhado nas crónicas côr-de-mar de Carlos Eugénio, adocicado pela poesia-gajaja de vavó Olímpia e colhida com o dorso nú sob o Sol Ardente de “Góia”. Benguela merece um poema vestido com os trajes bonitos da sua inconfundível beleza.
     Nossos poetas partiram cedo, para a grande viagem sem regresso. Alda Lara, Raul David, Nuno de Menezes, Aires de Almeida Santos, Ernesto Lara Filho, Sócrates Dáskalos.Quantos mais? Do kalundo sempiterno , como sentinelas vigilantes, protegem a sua cidade-menina. Os poetas nunca morrem! Regressem soldados valentes da palavra! Desçam da Camunda, agora que o NOVO DIA está a nascer! Venham ver a cidade lutando para transformar sonhos antigos em realidade-presente. Ninguém mais tem medo. O sombreiro afinal não é um vulcão sinistro com larvas incandescentes em gestação. É a cama do Sol da Esperança Prometida.
     Que teria de mal um poema assim? Que se danem os que lhe acharem defeitos sem fim. Cassoco, Benfica, Capiandalo, Camunda, Kasseque, Massangarala."/ Bairros pobres/ humildes/gente trabalhando/vivendo ou morrendo/ esteira de capim a servir de cama/encardida e desfeita/ cubatas de paredes de adobe"/.
     A minha cidade é a mais linda do Mundo porque é a minha cidade. Os bairros da velha “Ombaka” preenchem os versos vestidos de folhos e buganvílias vermelhas trazidos no regaço de Alda Lara. “Tem gente que sabe tudo/Mãe negra não sabe nada/ai de quem sabe tudo”.
Não seria um poema-cobaia para ser dissecado na mesa de autópsia dos super-escribas, entre arrotos de Whisky escocês e espirais de fumo havano. Talvez até seja pretensão chamar-lhe poema. Mas vejo-o surfar a crista das calemas transbordantes de Março. Aprendizes de poeta escreverão poemas fraternos nas noites que nunca acabam. E eu escreverei o meu. Esfolarei os joelhos nos degraus da ingenuidade provinciana, mas escreverei. No meu sonho-poema voarei nas asas serenas da meninice inocente. Será apenas um poema p’ra minha cidade. Um poema feito Arca de Noé, para o amor encher todos os porões e transbordar para o mar azul. Virão as ondas espalhar o amor no rendilhado cálido da praia morena, entre mil crianças a brincarem ao sol, num chilreio doido de satisfação e sem medo dos tubarões.
     Benguela, a minha/nossa cidade merece um poema assim. Um poema despido de inquietações. Os sobressaltos a apodrecerem nas prateleiras aboletadas de todas as promessas vazias que Mamã Chica guardou com o azedo de outras kissânguas.
     Certamente um poema escrito à tardinha, o sol a tombar para além do sombreiro. Os pulmões insuflados com o feitiço do entardecer na nossa bela cidade. Os nossos corações palpitarão com o canto dos catuituis poisados nas acácias-rubras. Em cada galho florescerão mil pétalas de fraternidade.

2 comentários:

O Blog do Benguelense disse...

Benguela merece os nossos corações, as nossas paixões e os nossos esforços. Merece ter também alguém como Jaime Azulay, que nos encha com as suas palavras sobre a nossa cidade e que, com esta iniciativa, conte um pouco daquilo que aqui se vai passando, como apenas ele sabe retratar.
Um abraço e muito boa sorte

João Caratão

Anónimo disse...

Já trocámos uns emails sobre poesia e hoje, de novo, voltas à carga.
Peguei na enciclopédia e discordo da primeira definição: "arte de escrever em verso". Concordo com outras: "Harmonia, inspiração, elevação nas ideias, no estilo", "Carácter do que comove ou eleva a alma". Cá está, estas últimas ajustam-se à tua prosa que, quer queiram quer não, são peças poéticas.
Ao carácter atrás identificado juntas ainda a personalidade, a falta de medo, muitas vezes politicamente incorrecto mas lúcido, real e integrado no espaço onde vives e que amas.
Não ameaces apenas, Jaime, expulsa cá para fora esse poema que te está atravessado no coração e canta esta Benguela por quem também me apaixonei e só trocarei se me obrigarem, como alguns - como bem sabes - querem...
Votos de que este blog se transforme num espaço de convívio dos teus amigos (quero ser um deles), eleva Benguela e as suas gentes ao mais alto degrau do pódium e que nós consigamos contribuir para que um dia reunas em livro(s) os textos feitos com a pena e o coração com que nos estás a brindar.
Felicidades para ti e família e, já agora Feliz Natal e óptimo 2010.

AB