segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

A CANelada "atípica" do Mali nos palancas

     O CAN-2010 arrancou em Luanda na Segunda-feira dia 10/11. No jogo de abertura aconteceu algo de verdadeiramente fantástico: um empate a 4 golos depois de Angola estar a vencer a sua congénere do Mali por 4-0 até  próximo dos 15 minutos finais. Frederic Kanouté e seus companheiros encetaram uma inusitada recuperação. Os dois últimos golos foram obtidos depois do tempo regulamentar, nos descontos. Com certeza os amigos viram o jogo ou os resumos que as televisões de todo mundo apresentaram. Foi inacreditável! E como as coisas andavam se o jogo se prolonga por mais 1 minuto, seria o descalabro completo. Ninguém duvida que se poderia transformar num cenário avassalador para milhões de angolanos.
     Não vou maçar-vos com a história do jogo, que está plasmada na comunicação social de todo o mundo. Todavia, existe um pormenor que pretendo destacar. Embora os fanáticos existam no futebol, nunca devemos perder de vista que a beleza do desporto consiste precisamente no seu elevado grau de imprevisibilidade. O que assistimos ontem no "Estádio Nacional 11 de Novembro" foi a mais pura manifestação da nobreza intrínseca dessa modalidade que a maior parte dos povos do mundo adoptou como a número um do desporto. "Ganhar com honra e perder com dignidade". Quantas vezes já ouvimos essa frase? Quase se tornou num lugar comum, desprovido de sentido.
     A sinceridade nos obriga a reconhecer que a selecção do Mali proporcionou  uma monumental lição de humildade. A humildade é a principal virtude de um desportista, qualquer que seja a modalidade que pratique. A humildade sublimada na perseverança, na vontade inquebrantável de querer saltar mail alto, correr mais rápido, marcar mais golos. A humildade testada nos limites da adversidade.
     Kanouté e seus companheiros foram surpreendidos com a entrada de rompante dos palancas-negras no meio de um ambiente emocional incrível proporcionado pelo público que lotou o estádio: 50 mil almas a vibrar. Mas os adversários de Angola suportaram a sua cruz com tenacidade. Vergaram mas não quebraram. Em nenhum momento os vi baixarem os braços e abandonarem a luta. Foram para o intervalo serenamente a perder por 2-0. E para quem tenha reparado bem, quando regressaram do balneário, onde certamente ouviram a palestra do seu treinador, reentraram para o relvado trocando informações entre si. Vimos os mais experientes a darem instruções pontuais aos mais-novos e estes os ouviam com atenção.
   O veterano Seidu Keita, apesar da situação estar complicada no terreno não perdeu a compostura e com isso galvanizava os seus companheiros. E como não são uma equipa qualquer, reencontraram-se no momento crucial do jogo, desgraçadamente para a nossa selecção. Nesse instante fatal, veio ao de cima a sua elevada estatura de jogadores profissionais, detentores de espírito de conjunto que se bate por um objectivo comum. Cada um no seu lugar, fizeram a máquina funcionar como um todo, operando a virada ante a estupefacção dos nossos olhares. Do nosso lado reinava a ansiedade desmedida, o excesso de confiança desproporcionado e injustificado, a pressa em fazer as coisas, porque estes "já estão no papo e  venham já os próximos que também vão ser pitados".
    A saída de Gilberto e de Flávio retiraram prematuramente seriedade ao nosso jogo. Se por parte de Gilberto se encontre alguma justificação, devido aos seus problemas físicos, o mesmo já não se pode dizer de Flávio, jogador batalhador, influente, sabe reter a bola, jogar para a falta, desassossegar o adversário. Enfim, Flávio tinha tudo que nos faltou naqueles instantes dramáticos. Mantorras faria certamente melhor figura que Love Kabungula. Mantorras é colega de jogadores de craveira no Benfica de Lisboa e com eles aprende muita coisa que nos poderia ser útil. Quando deveríamos injectar jogadores maduros, optamos pela fogosidade dos mais jovens. Faltou-nos até um cheirinho daquela malícia piedosa que abunda no futebol. Por momentos, a nossa rapaziada avançava destemidamente, como se quizesse marcar mais golos e chegar à cabazada. É certo que, eventualmente, o poderiam ter conseguido. Mas o que sucedeu foi o reverso da medalha. Demos a espalda, tropeçamos nos nossos próprios pés e quando demos por ela (será que demos?) estávamos envolvidos pela reviravolta vertiginosa dos malianos. E aconteceu a CANelada "atípica". Assim se fez história. Quando o árbitro deu por finda a partida toldou-nos aquela estranha sensação de vazio, de perda e até de derrota, se quisermos, embora tenhamos conseguido "in extremis" segurar o empate.
     Quanto a mim saíu ganhador o Desporto que mostrou a sua pujança e a sua nobreza. Agora nada de choros nem tristeza. Descomprimir do "stress pós-traumático" e afinar a pontaria para o próximo jogo. Não existem jogos fáceis.

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