Chefe Militar 1: -“ Alguém que diga então ao Velho que vista ao menos um camuflado por cima da balalaica!”
Chefe Militar 2:- “Não adianta, camarada! ele não vai aceitar, ninguém lhe tira essa balalaica!”
Boquiabertos vimos o Velho retornar ao palácio, estava zangado com alguns camaradas. Negara redondamente abandonar a cidade sacudida pelo matraquear das armas. Aparentava calma e trazia desajeitadamente uma “Kalashe” na mão, com uma bandoleira muito comprida, quase a arrastar pelo chão. Ainda tropeça na cinta, pensamos. O camarada Paulo Jorge fez treino militar na Argélia, camaradas, sossegou um kota do tempo da guerrilha que tinha vindo ajudar a organizar os rapazes de “jeans” e “t-shirts” apresentados voluntariamente para participarem na defesa da cidade.
O tiroteio intenso assemelhava-se ao ruído dos pingos de uma bátega caindo sobre sobre a cobertura de chapas de zinco das nossas casas antigas. Os rapazes adoravam disparar rajadas longas. Depois o trepidar das armas quase cessava, tiros dispersos, contudo perigosos por causa dos franco -atiradores escondidos em apartamentos dentro das nossas linhas de defesa.
Tinham começado os confrontos armados pós-eleitorais em 1992. Era um Sábado de Novembro. As acácias estavam floridas de um vermelho vivo, como sempre acontece nos finais de ano. Em 92 as acácias lembraram que a pátria se defende com o sangue rubro dos Heróis. A cidade estava ameaçada e com ela toda a província. Naquele dia iria pousar na base da Catumbela o helicóptero que espectacularmente resgatara o general Nunda de uma execução certa no Huambo.
No Lobito os combates ocorriam simultaneamente, mas a base da Catumbela estava assegurada pelas forças do general Vaz, o que permitia a realização do tráfego aéreo. Qualquer que fosse o avião que chegasse, os dirigentes da província tinham decidido que o camarada Paulo Jorge deveria ser evacuado para lugar mais seguro, dada a sua avançada idade. Naquela fase difícil, em algumas províncias, os comissários assumiram pessoalmente a iniciatriva de retirada, em lamentáveis episódios de ridícula debandada, o que gerava descontentamento entre os dirigidos entregues à sua sorte.
No momento em que o camarada Paulo Jorge tomou conhecimento que os seus colaboradores tinham decidido evacuá-lo da cidade, vimos um leão rugir com bravura, por dentro da balalaica branca: “ Não se atrevam a fazerem-me isso camaradas, o meu lugar é no palácio ao lado do povo que está lá”. De facto o povo estava lá, à procura de protecção. Mulheres, crianças, pessoas de idade avançada e alguns doentes amontoavam-se nas varandas, nas salas e nos demais aposentos do palácio. Havia o receio do edifício começar a ser alvejado por umas peças de artilharia de 75 mm que os outros tinham em operação no quartel do Kasseque. As bombas começaram a cair perto, mas como era no palácio onde estava improvisado o centro de distribuição de logística, os grupos de defesa vinham com regularidade abastecer-se e voltavam para as suas posições de combate nas ruas e avenidas. Nessas idas e vindas os grupos encontraram o Velho no palácio, com a sua inconfundível balalaica branca e uma arma na mão, a organizar o povo. Da mesma forma como o fogo das queimadas se espalha no mato seco, a notícia correu célere entre os que defendiam a cidade:
-“ O Velho afinal não fugiu! Lhe vimos com a balalaica branca dele lá no palácio. É mesmo ele, jura!"
4 comentários:
Paulo Jorge era de facto um homem de convicções. Morreu, mas fica o seu exemplo...Assim todos o seguissem!Paz à sua alma. Será recordado enquanto existir um ser da sua geração e o conheceu de perto.
Reiga
Gostei da crónica. Bem escrita para recordar uma pessoa que deu o exemplo de humildade e de servir um povo mesmo que parecesse ultrapassado ele defendia bem as suas convicções ao contrário de muitos que nem convicções patrioticas têm.
P. Castro
Com tantos outos universitários, Paulo Jorge deixou Portugal, para se dedicar de corpo e alma à independência de Angola. Homem de convicções progressistas a quem Angola prestará para todo o sempre aquela reconhecida homenagem.
Tive a honra de o ter como meu amigo e quando lhe mandei um e-mail pelo ultimo aniversário em Maio passado respondeu-me" um abraço e obrigado, quanto à saúde vamos indo, quando o meu dia chegar lá irei, espero que tranquilamente".Permitam-me que conte uma pequena história desse homem humilde e generoso mas firme nas suas convições que nunca se travestiu como fizeram a maior parte dos seus camaras.Quando era ministro das relações exteriores veio a Benguela um fim de semana e quiz ir ao alto Catumbela ver a Celulose, porque tinha uma saída para o estranjeiro e tencionava pedir apoio para a reactivar.O Delegado da Industria era o Severino(pacassa)seu amigo de infancia .Contactou-me( eu era o chefe da contra-inteligencia militar na Provincia) e colocou-me o problema de viajar com o homem até ao Alto de carro, porque não queria ir de elocópetro.Respondi que estava bem, que não falasse disso a ningem , que eu iria preparar a escolta para o outro dia e eu mesmo os acompanharia, mas queria falar com ele porque os riscos de uma emboscada eram muitos.Falámos e ele recusou de imediato a escolta que eu tinha preparado 10 carros com 50 homens, dizendo que era muito povo, bastavam meia dúzia.tentei explicar que era perigoso, mas nada, teve que ser.À cautela informei o meu ministro do que estava a acontecer.Lá fomos, 10 homens de escolta ele eu e o Pacassa.Levei um colete à prova de bala, de fabrico russo bem pesado pedi-lhe para o colocar ao que me respondeu nem penses isso vai amarrotar a minha "goiabera", acabando por o entregar ao motorista.Pelo caminho (como eu estava com cara de poucos amigos) porque ele me estava a complicar a vida já que eu sabia que teria que responder se algum mal lhe acontecesse disse-me mais ou menos assim, porque não recordo textualmente." Não penses que não tenho medo, até sou bastante cagão como militar não presto para nada,mas quanto mais aparato mais homens e mais armas mais medo tenho.Desculpa lá,eu confio em ti, vai tudo correr bem não te preocupes, já disse ao teu ministro que se acontecer algum coisa a culpa foi minha.Não aconteceu felizmente, mas no regresso por razões óbvias e contra a vontade dele, mandei-o de eleicóptero e eu e a escolta caímos numa emboscada ali no morro dos dois irmãos perto do Caibambo, , um morto e dois feridos.....
Era assim o Paulo, simples discreto um Benguelense do melhor qu essa terra pariu.
Nando
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