segunda-feira, 5 de julho de 2010

O Dvd Pirata e os Cobóis do Nosso Tempo

      “-Katep, katep, katep”, o artista assim está a chegar nos bandido, o cavalo dele parece é pessoa. Os bandido amarraram a miúda no pau. O artista avisou:-“ larguem a miúda faxavor! “ Os bandido: “ah!ah!ah!”. O artista cara trancada com a barba dele: - “Ela não sabe dizer de nada, lhe deixem, larguem só a miúda faxavor”. Os bandido nada com eles, estão a beber “ah!ah!ah!ah!”. Assim já mataram o pai da miúda, o velhote. –“Larguem só a miúda estou vos avisar, quem avisa amigo é !”, os bandido nada. O artista então bem rápido “-camone, saca, tau, tau, tau !”. O chefe dos bandido levantou mãos ó ar com a garrafa dele na mão. Desamarra a miúda você mesmo, o bandido desamarrou. A miúda subiu no cavalo do artista, os dois estão a ir, “-katep, katep, katep”, os bandido ficaram dois no chão.
     O Sabalo era o equivalente aos actuais dvs piratas, não queria saber de copyright, os tais direitos de autor. As obras dos génios são património comum da Humanidade, ninguém deve privatizar o que pertence à todos pelo Dom de Deus.
     Quando o Sabalo ia ao cinema gravava todo o filme na sua memória extraordinária. Era incrivel a capacidade que tinha de contar as cenas que passavam do projector para a pantalha do cine sporting atravès de um feixe de luzes mágico cujos meandros ele nunca conseguiu desvendar. Talvez tenha sido melhor assim. O fascínio dos filmes contados pelo Sabalo residia justamente na sua capacidade de transportar-nos para um mundo de fantasias onde os nossos sonhos ganhavam forma nas asas da liberdade. O senhor Barata, o porteiro do Cine Sporting barrava-nos a entrada por causa da idade ainda tenra. O melhor que a malta do bairro conseguiu ver um dia foi a segunda parte de um filme de corsários para maiores de doze anos que passou à matiné. Conseguimos milagrosamente furar na confusão gerada por trovoadas que fizeram sacudir o cine. Nas restantes vezes a solução era recorrer aos préstimos inestimáveis do Sabalo, ao que ele não se fazia rogado. Defronte aos nossos olhos esbugalhados cavalgavam personagens flamejantes de um tempo que jamais apagará. Fernando Sancho e sus muchachos toldados em tequila, inevitavelmente envolvidos em sarilhos e conspirações, factos que desagradavam sobremaneira ao artista, homem bom, sempre ao lado dos mais fracos. O italiano Giulliano Gemma que depois foi Montgomery Wood por imposição de hollywood em troca de um dólar furado. John Wayne e a maldição do Ouro de Mackena sob os acordes do violão e da voz de José Feliciano. Depois Franco Nero e o Antohny Stephen que fizeram o Django, autêntico hino da justiça do Oeste. Tinha Sartana, o Bom, o Mau e o Vilão com a marca de Lee Van Cleef. E o ciclo fechou-se com o malandro do trinitá, cobói insolente e andrajoso, comedor de feijão e mais rápido no gatilho do que a própria sombra. Sempre com uma miúda por perto, isso nunca pode faltar no filme, senão com quem o artista vai fazer “katep, katep, katep” no cavalo quando a fita acaba?
     O Sabalo não perdoava um barrete, aqueles filmes em que o artista morre no fim, já depois de vingar a morte do velho e libertar a miúda. Ficava a semana toda a lamuriar o dinheiro mal gasto.”possas, esse filme afinal é barrete, mal empregado o meu dinheiro”. Também nisso o Sabalo tinha razão. Filme que é filme o artista nunca morre. Pelo contrário. Enfia uns balázios no bucho dos bandido, uns mexicanos barrigudos e fervorosos adeptos da tequila, comandados pelo endiabrado do Fernando Sancho. Neutralizada a tramóia, o artista baza com a miúda pradaria afora , as silhuetas projectadas num horizonte de sol alaranjado pontilhado por folhas de cactos .A trilha sonora está a cargo de Ennio Morricone. O  volume sobe ligeiramente nos altifalantes da sala. Empertigado na sua cadeira da geral o Sabalo grava tudo no dvd da memória. ”katep, katep, katep”, lá vão eles felizes da vida , sem ninguém a lhes incomodar mais, até chegarem novos bandido.

4 comentários:

Anónimo disse...

Oh Jaimito das cabo de nos que estamos distante da terra. katep, katep, katep estou a ver o filme. Abraço grandalhão.
Sónia

Anónimo disse...

Kota Azulay o Sabalo contava osfilmes e tu tambem contas os filmes dos tempos antigos com muito humor e muito gosto.parabens.

Anónimo disse...

Quem escreve assim.....Obrigado por fazeres voltar a minha infancia em Benguela e P.Amboim,nas matines de cowboiadas,onde o katep,katep,hoje e so saudades.Obrigado Jaime deste longiquo UK.

TONI TAVARES disse...

Memória pródiga a tua, Jaimito, que me faz sentir menino, ao recordar com este teu recordar. E que depois num mais tarde já não menino, porque não recordar também Brigitte Bardot com o seu avantaja-do sim-senhor, que depois de entrar ainda estava entrando.E a Sofia Loren com toda aquela sua soberba peitaria, que antes de entrar já estava entrando.
Que bom recordar para não esquecer.

E... aquele abraço.