Quando falei com o comandante Mbeto, no final da tarde de Segunda-feira, 25 de Abril de 2011, foi com emoção que ouvi a sua voz firme dizer que se me escreveu, não era para alimentar polémicas, apenas para resgatar a memória dos filhos de Angola, que deram o melhor de si, ou seja, a sua própria vida, para que a Independência fosse conquistada; para que tivéssemos uma bandeira drapejando orgulhosamente em todos os recantos de Angola, símbolo da nossa soberania. E não foi fácil chegar até ao glorioso dia 11 de Novembro de 1975.
No relato do comandante Mbeto, emergem, como numa galeria, figuras épicas como a lendária guerrilheira Bela Russa de "Cabelos-Côr-de-Fogo", o comandante Herculano Delfino Kassanji "Fundanga" e outros combatentes, muitos anónimos, como os jovens do mini-suzuki metralhado entre Novo Redondo e o Quicombo, apenas dois dias depois do onze. Desfilam soldados que serviram a causa e que hoje, mesmo tendo sido esquecidos por quem não tem legitimidade moral para fazê-lo, permanecerão, contudo, vivos na memória colectiva do nosso povo generoso, como heróis de um tempo que marcou e que a própria História, um dia, inexoravelmente, resgatará.
Fui arrebatado por incontido sentimento, ao ler o depoimento do comandante M´beto. Sei que os homens não devem chorar, mas é impossível conter algo que brota do mais profundo do nosso ser. Por isso agradeço ao general das Forças Armadas na reserva o trabalho de escrever-me tais linhas, tão valiosas e emocionantes, sobretudo para quem viveu aqueles eventos complicados no inocente desabrochar da juventude. E por me encorajar, dando-se ao trabalho de ler o que vou tentando escrever. De alguns, que poderiam ser fontes de informação recebi apenas evasivas "não te metas nisso, não tens negócios a tratar?", de outros simplesmente vi a porta a bater e uns tantos chicos-espertos agora ricaços, nem se dignaram a abri-la.
Então, como fica a nossa História? Vamos aceitar continuar a viver como sonâmbulos face ao nosso próprio passado? Como se fosse historicamente justo depois contratarmos cooperantes para explicarem aos nossos netos e bisnetos as páginas que as várias gerações da luta angolana escreveram.
Defendo que temos uma História transbordante de episódios de patriotismo e de entrega e hoje, em termos de angolanidade reconciliada, não interessa olhar o lado da barricada em que cada um esteve.
A conquista da nossa Independência é uma das mais notáveis epopeias de África. Se conseguimos a vitória, foi porque nos momentos decisivos, tivemos na vanguarda os melhores, verdadeiros homens de têmpera, combatentes destemidos, que tudo deram para que a Pátria nos embalasse a todos no seu regaço, como angolanos livres e dignos. Desses homens tenho a honra e a oportunidadede falar.
A História não se apaga! Recordo ouvir, durante as exéquias do presidente Neto, no dia 17 de Setembro de 1979, o elogio fúnebre lido pelo camarada Lúcio Lara. Houve uma frase que deveria um dia ser bem explicada aos mais-novos: "Camarada Neto, que ingenuidade a nossa, quando no incessante derrubar de barreiras que tem sido a nossa luta, pensávamos que eras invulnerável!" Era assim a nossa revolução! Os homens transcendiam-se no esforço da luta e aparentavam ser imortais.
O Comandante Mbeto Traça é um desses homens. Até hoje guardo a sua imagem, 35 anos depois de o ter conhecido na Delegação do MPLA em Novo Redondo.
Hoje, olhando os meus netos, sinto que os que actualmente estão ao leme têm diante de si uma outra etapa a vencer, num contexto já de si complicado e que, por vezes, nos surpreende negativamente pela curta memória de alguns, que pensam que a independência foi comprada na praça, ou uma dádiva que veio do estrangeiro de encomenda pela DHL.
Hoje, olhando os meus netos, sinto que os que actualmente estão ao leme têm diante de si uma outra etapa a vencer, num contexto já de si complicado e que, por vezes, nos surpreende negativamente pela curta memória de alguns, que pensam que a independência foi comprada na praça, ou uma dádiva que veio do estrangeiro de encomenda pela DHL.
Claro que o tempo passou, como diz o comandante M´beto: e vai continuar a passar na sua marcha imparável. Penso que se não deixarmos o registo desses eventos, as gerações futuras não terão referências que as façam sentir orgulho dos seus maiores.
Quanto à nossa saudosa Bela Russa, essa inesquecível menina- mulher-combatente. Tenho estado com os irmãos e a mãe, a quem pedi, para escrever algo sobre ela. E a mãe, a Sra D. Eugénia, depois de conversar com os outros filhos, sobretudo o meu amigo João Gomes, finalmente anuiu; ela própria aceitou conversar comigo sobre a infância da Bela, o que achei uma dádiva. A Bela faleceu de cancro há uns seis anos, em Lisboa. Até hoje os filhos se encontram entregues à sua sorte, sem que alguém de direito os ajude por tudo o que sua mãe fez pela nossa causa justa. Em Benguela havia outras guerrilheiras, a Carlota (tombou em combate), a Bela Mauser, a Chinda (mulher do Kassanji) e outras que, felizmente sobreviveram a todas as agruras e estão entre nós dando o seu contributo.
Também conversei muitas vezes com o pai do falecido comandante Kassanji "Fundanga", já falecido e com alguns irmãos. O mais-velho Kassanji trabalhou décadas como contínuo no palácio do governo em Benguela. Nessa condição serviu também quase todos os comissários provinciais nomeados pelo MPLA. Tenho conhecimento que nunca reclamou nada, até à sua morte. Um dia recebeu das mãos de um comissário provincial, uma bicicleta. Gratificante recompensa, não hajam dúvidas!
Oficialmente, Herculano Kassanji não deixou filhos. Até hoje a família chora, nem uma certidão de óbito, nem qualquer benesse que a outros cai a rodos no sistema de segurança social das FAA.. Nada! Agora já nem promessas. Não é justo!
Repito, com todo o respeito, apenas para recordar aos esquecidos e acordar os que inebriados pelo brilho do dinheiro estão a dormir: temos um legado valoroso, uma História escrita com sangue suor e lágrimas. Seria imperdoável que ela não ficasse como testemunho da luta Heróica do nosso povo pela sua liberdade.
Os nossos maiores nos ensinaram. Aqueles que não sabem de onde vêm, não sabem para onde vão. Os mais- velhos disseram mais: qualquer que seja a actividade na vida, Homem que é Homem, deve comparar-se ao touro, deixa no chão a marca por onde passa; e nunca se deve confundir Homem de verdade, nem com passarinho nem com lagartixa, que me desculpem os pobres animais.
4 comentários:
Camarada Azulai voce só nos faz chorar a recordar tudo o que passamos com uma forma bonita de escrever
Mais uma vez louvo o teu discernimento que não te impede de ser critico e justo ao contrário de tanta gente que se esconde atrás da militância, para mostrar que é obediente e bem comportado. Também me agrada que o possas fazer sem que de imediato te caiam em cima os mais "papistas que o papa",resultado sem duvida dos ganhos evidentes nas liberdades individuais. Por ultimo junto ao teu o meu lamento, pelo esquecimento, pela ingratidão e até crueldade com que ainda hoje se tratam (ou se deixam de tratar) os que tão cedo ficaram estropiados para sempre, os que a troco de nada ofereceram a vida e também os seus familiares que em muitos casos foram condenados às maiores dificuldades pela falta do ganha pão da família. Como tu referes, em contrapartida outros escolhidos têm direitos e mordomias desmesuradas. Alem de cruel e desumano é um CRIME
Sem querer, não assinei o comentário anterior.
Nando
memória curta e doente, esta a nossa, neste nosso país...
Ana Bela
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