O que preocupa em Luaty Beirão
Jaime Azulay
Ao rejeitar o lancinante apelo de sua esposa, Luaty Beirão assumiu ir até as ultimas consequências na greve de fome que observa há 34 dias, caso não seja decretada a suspensão da prisão preventiva em que se encontra desde há 3 meses.
Numa carta aberta publicada nas redes sociais, Mónica Almeida implora: “prefiro-te marido, pai e amigo a ter-te como mártir”.
Recorda-lhe a promessa feita quando a filha Luena veio ao mundo: “quero lembrar-te da promessa que me fizeste quando recebeste a Luena dos meus bracos, minutos depois de ela ter nascido: que a partir de agora a coisa mais importante da tua vida é ela”.
Recorda-lhe a promessa feita quando a filha Luena veio ao mundo: “quero lembrar-te da promessa que me fizeste quando recebeste a Luena dos meus bracos, minutos depois de ela ter nascido: que a partir de agora a coisa mais importante da tua vida é ela”.
Tenta persuadi-lo mais adiante com palavras ternas que tocariam fundo o coração de qualquer homem sensivel: “ “ Tu és o nosso herói, o exemplo de pai presente, o exemplo de marido honesto e um homem de palavra. Amamos-te muito... conto, desta vez, persuadir-te a acabar com a greve de fome, pois há uma promessa acima desta que tens mesmo de cumprir, não por mim mas pelo nosso tesouro”.
Dias antes, Luaty ignorara também o apelo dos companheiros do conhecido processo 15, onde são acusados da autoria de actos preparatórios de uma rebelião que tinha como objectivo uma mudança não constitucional das instituições estatais, entre as quais o presidente da república.
Promessa? Bem maior? Altruísmo e compaixão? Nada disso parece existir agora em Luaty. Vinga apenas o culto de uma obsessão de gloria voltada para si próprio, o que o torna incapaz de escalonar o seu projecto de luta de uma maneira diferente.
A sua visão do mundo e da vida alicerçam-se em critérios estritamente pessoais, razão pela qual dispensa resolutamente a necessidade de aceitar a realidade que o cerca, e acatar os apelos e pedidos da romaria que se ajoelha em seu redor no leito da clinica “Girassol” em Luanda.
Esta intensamente absorvido pelo capital que despertou na opinião publica e refugia-se na ideia da validade e prevalência ilimitadas dos seus parâmetros pessoais, sobre quaisquer outras escalas valorativas.
Luaty Beirão tem 33 anos de idade. É mais novo do que um dos meus filhos. Seus companheiros chamados "revus" estão na faixa de outros rebentos meus. Tenho idade de ser pai de qualquer deles, por esta razão me preocupa o seu estado de saúde e a situação carcerária em que se encontram todos eles e o futuro do nosso pais, de uma maneira geral.
A verdade é que também fui um jovem inconformado como eles. Vivi a minha juventude, desde os 14 anos, entregue a uma causa na qual acreditei e dela espero nunca estar irremediavelmente arrependido, devido ao símbolo da suprema conquista do povo angolano, a independência nacional que dentro de dias comemoraremos o 40 aniversario.
Porque razão Luaty insiste prosseguir a greve de fome, enquanto os restantes companheiros tomaram a decisão sensata, apesar de difícil, de desistir e aguardarem, sob a detenção decretada, o julgamento marcado para iniciar no próximo dia 16 de Novembro?
Seria ingenuidade acreditar que o caso “15+2” não tenha extravasado os marcos de um processo exclusivamente judicial. Imperdoável patetice seria também escamotear que a dinâmica do processo não tenha assumido repercussões políticas e mediáticas de tal envergadura, que o seu desfecho não seja susceptível de repercussões na vida das pessoas.
O que me perturba em Luaty é a persistente expressão desafiadora, ensimesmada na sua figura esquálida, esticada no leito hospitalar, os dedos entrelaçados nas mãos cruzadas sobre cavidade do ventre. Obstinadamente, uma enigmática centelha transborda das entranhas dos seus olhos escuros e vazios, aparentemente indiferente ao “flash” das câmaras dos jornalistas.
As autoridades judiciais descartam até ao momento outra solução que não seja os 'revus' aguardarem o julgamento na condição de detidos e já rejeitaram qualquer interferência externa na solução do caso. Inclusive denunciaram que os "revolucionários" estão a ser usados numa campanha orquestrada por círculos estrangeiros que sempre se opuseram as conquistas do povo angolano.
As horas passam e a corda está a esticar demasiado. O tempo está a favor dos pequenos, Luaty parece conhecer muito bem isso. Tal como sabe que o poder vigente não tolera os meios que supostamente pretendia eleger para fazer ouvir as suas reivindicações.
O que assusta em Luaty é concluir a possibilidade de ele acreditar estar a viver na plenitude os seus dias de glória, por ter conseguido desafiar o sistema como um todo, como antes ninguém o tinha feito sem qualquer arma de guerra nas mãos, alcandorando-se na eventual inconsistência da acusação e de eventuais erros processuais.
Terá ele chegado ao ponto crítico de pensar que, a irredutibilidade da sua greve de fome conseguirá encurralar um poder alicerçado num exercício de 40 anos consecutivos, parte dos quais no meio de uma longeva guerra fratricida, da qual saiu vitorioso?
O que motiva então o Luaty Beirão ?
Terá assumido a causa com tamanha intensidade que, desistir da greve agora, seria motivo de desonra e humilhação para os seus ideais ou convicções de luta?
Ou será ele a própria causa da luta?
O que estamos a observar em Luaty não será a representação de uma versão do “nihilismo” característico dos anarquistas europeus do século XIX?
Quanto a Luaty ser ateu, isso pertence a sua esfera de liberdades e nada tenho a declarar. Todavia gostaria de recordar Nietzsche, quando afirma que o ciclo “nihilista” só se completa no momento em que se nega os valores de Deus e a pessoa aprende a ver-se como Criadora.
Ou parafrasear o escritor russo Dotoievski no momento em que um dos personagens do livro “Os irmãos Karamov” declara assustadoramente: “ se Deus esta morto, então tudo é permitido”.
Causar comoção social extrema e sentimentos profundos nas outras pessoas, incluindo na família, através da auto-flagelação pela fome e deixar-se esvair, ao limite, evocando motivações cívicas e ideais de nobreza no exercício da cidadania não é uma arma digna dos verdadeiros combatentes pela liberdade.
Tanto quanto se sabe, Luaty terá vivido grande parte da sua vida no estrangeiro e frequentado excelentes escolas europeias. Possui formação superior em duas áreas, ao contrário de seus confrades "revus", oriundos das camadas desfavorecidas da periferia luandense. Seu pai, José Beirão, também engenheiro, era figura próxima ao restrito círculo do presidente Eduardo dos Santos e foi um dos mentores e primeiro director geral da FESA ( Fundação Eduardo dos Santos) uma organização que os seus detratores afirmam ser um dos suportes do culto de personalidade do presidente.
A verdade é dura e amarga.
Cada dia a mais na insistência em prosseguir na renúncia em alimentar-se, fará diminuir drasticamente as probabilidades da sua sobrevivência. Segundo os médicos, o ponto de não-retorno poderá acontecer a qualquer momento. Se tal suceder, estará consumado o martírio, ou a tragédia , se preferirem.
Um desfecho fatal do caso Luaty desencadearia mais um trauma na franja mais sensível da nossa sociedade, a juventude.
Termino com um trecho da letra da cancao de um trovador da nossa Benguela: “se me roubas é porque tens fome. Se me matas é porque tens medo”.
Que Deus proteja a nossa Angola amada!
6 comentários:
Nao deveria escrever uma carta ao Presidente Jose Eduardo dos Santos? tem a certeza que era isso que queria escrever mesmo???
Oh amigo Cangaia! Não deveria também fazer uma greve de fome no conforto de sua casa? Tem a certeza que era isso que queria escrever mesmo??? Não diz se a carta iria por correio ou por mão própria. E quem lhe disse que para mim a solução passaporte cartas.
Vou transcrever uma resposta que escrevi a uma amiga, que creio serve para si. Um abraço e obrigado pela sua presença.
Estimada, embora chame de dementes os que clamam para que o senhor Luaty ponha fim a sua greve de fome, a senhora ainda não extravasou os limites da mínima urbanidade. Por esta razão vou responder-lhe. E começo com um conselho que seguramente servirá para aquilatar o seu fervor em defender o absurdo do detido continuar sem comer: faça uma greve de fome também. Pode fazê-lo em sua casa em numa rua qualquer da sua cidade. Vai ter publicidade, garanto-lhe. Mas vamos aos assuntos que põe: não acha que a luta de um homem por valores na sociedade começa na sua família? O sr Luaty ignora os apelos desesperados da sua mulher que tem uma filha nos braços , as quais ele prometeu prioridade acima de outras coisas e a senhora vem dizer que eu é que estou a desumaniza-lo? Os seus próprios companheiros detidos imploram-lhe que não se deixe morrer, porque necessitam dele e homem ignora tudo e todos os que lhe querem bem, só porque decidiu que o rumo da situação está nas suas mãos e segundo os seus parâmetros. Haja paciência minha amiga! Não se deixe embalar no coro dos que baixaram o polegar e exigem o martírio. Veja as coisas pelo lado racional. Existem pessoas que pretendem utilizar o senhor Luaty para fazer capitular um poder que é legítimo Porque emana das urnas. Esse poder já disse que não vai ceder, nem a pressões nem a chantagens. Se Luaty não comer, o pior pode acontecer. E depois? a senhora continuaria a marrar com a cabeça numa parede mesmo vendo seu craneo esfarelar? Sun Tzu ensina que um dos caminhos para conseguirmos atingir os nossos objectivos é ser como a água, que contorna os seus obstáculos ao longo do seu percurso. sendo um homem culto deveria discernir isso e ainda julgo que a sua estratégia é essa: aproveitar os holofotes do mundo e por a prova o sistema judicial angolano e defendendo-se com dignidade para provar que foi injustamente acusado e detido. Outros homens escolheram este caminho. Luaty não precisa morrer para provar que foi injustamente acusado. Não façam isso minha senhora!
Caro Jaime Azulay, excelente artigo para reflectir...
Sou da geração do Luaty e tive o prazer de o conhecer e travar com ele algumas conversas de "café", que enquanto estudantes que éramos, e vivendo no estrangeiro, acabavamos sempre a falar da banda (Angola), da sua vida social, económica e politica.
Dele digo que é anti MPLA e tudo que o MPLA representa para ele. Nunca percebi a razão ou problema/trauma, mas sempre o respeitei e o considerei como amigo e irmão de pátria. Com algumas coisas concordei com outras não. Afinal somos todos irmãos mas diferentes, temos ADN diferente, impressão digital diferente, logo pensamos diferente.
Este caso comove-me de várias formas e por várias razões. Salta-me a vista aquilo que acho absurdo na acusação, serem acusados de atentarem contra a vida do nosso Presidente. Não acredito que algum angolano queira mudar o poder dessa forma ilegítima e tenho a certeza que, com a formação dele, e não tendo ele pretensões de ser um politico (acho eu), que ele também o quisesse (atentar contra a vida do nosso presidente).
Golpe de Estado? Que formação militar têm estes jovens? Nunca seria aceite e reconhecido, nem pela sociedade angolana, nem pela comunidade estrangeira que neste país tem muitos interesses e investimentos. A mesma que acusam de estar a financiar estes jovens.
E digo isto porque somos amigos e aliados de todos eles: USA, Rússia, China, Europa, Brasil, Argentina... Todos eles têm interesses no país, e na estabilidade do mesmo. Todos eles recebem o nosso ouro negro, vendem-nos tecnologia e formação, exportam excedentes de matéria prima, de alimentos, maquinas agrícolas, material de construção civil e know-how humano, até nos cedem financiamentos e colaboram com reconstrução do pais. Afinal qual será a potência por de trás deles?
A parte o vazio da acusação, e eu nem sou jurista nem advogado, assusto-me com o que leio nas redes sociais a favor ou contra. Assusta-me que no Séc XXI, depois da Luta da Independência, do caso Nito Alves, da Guerra civil, ainda exista na nossa sociedade tanto ódio e intolerância. Intolerância de ambas as partes. Da parte de quem acusa e acredita na teoria, como da parte de quem acredita que ele é inocente.
Assistimos a ataques a integridade intelectual e moral tanto de quem defende a libertação dos activistas como de quem defende a sua prisão.
Entristece-me ainda hoje, depois de tudo que vivemos e aprendemos com o nosso passado, não podemos coabitar com a diferença de opinião de alguns ou com a posição ideológica de outros. E que quem pense diferente tenha ser visto como um inimigo e não como um irmão.
Sobre o caso... defendo a liberdade imediata dos jovens e que aguardem em prisão domiciliaria com apresentação diária as autoridades, com proibição de se contactarem, e com os passaportes retidos para que ninguém se ausente do país.
Acho que aliviavamos a "panela de pressão" que está prestes a rebentar e eles continuariam de certa forma presos.
Marco Martins e Neves
Marco, seu comentario me reconforta, pelo equilibrio com que se pauta. Sobretudo pelo realismo e sobriedade que demonstra. obrigado por se ter dado ao trabalho. Imagino como se sente ao ver um amigo na situação em que Luaty se encontra.
Descartei esmiuçar tecnicamente o processo, apesar de ser jurista, pois, cheguei a conclusão que nesta hora derradeira de nada adiantara.
O Luaty já mostrou a sua valentia e a crença inabalável nas suas convicções. Nao precisa ir mais longe, com risco de sucumbir a qualquer momento. Seus companheiros pararam as suas greves de fome e apelaram para que ele faca o mesmo. Sua esposa, que afirma acreditar na sua luta, também lhe pede para parar, recordando-lhe uma promessa que fez quando a filha Luena nasceu.
Que mais quer o Luaty demonstrar ao mundo, quando o decesso esta ao dobrar da esquina, como afirmaram os médicos?
O executivo esta permanentemente a declarar que nao cedera as pressões e as chantagens e ate diz que Luaty esta a ser instrumentalizado a partir do exterior. Provavelmente nao vai ceder, pelo que conhecemos.
Se nao resistir, Luaty perdera uma grande oportunidade de por a prova o sistema judicial angolano e a consistencia das acusações que lhe imputaram. O assunto ganhou repercussões internacionais e uma manipulação do julgamento teria pouco espaço de manobra.
Os seus advogados sao profissionais de elevada competência e irao ate as ultimas consequências.
Luaty nao precisa morrer para provar a sua inocencia.
O meu apelo eh que volte a alimentar-se e recupere rapido.
O resto a Historia julgara.
Abraco!
Concordo em absoluto! E tenho pena que ele esteja a ser tão radical. É meu apelo também que ele volte a se alimentar e recupere rápido.
Abraço
Felizmente nesta terça-feira, 27 de Outubro Luaty terminou a greve de fome de 36 dias.
27 de outubro de 2015 às 05:34
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