quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Jornalistas: Anjos ou Demónios no teatro da Guerra? Palestra proferida na Base Naval do Lobito


Agradeço o amável convite do Estado Maior General das Forças Armadas Angolanas para proferir uma palestra no âmbito do IV Seminário Metodológico dos Órgãos de Imprensa Militar, sobre o papel dos jornalistas no teatro de operações militares durante a ocorrência de conflitos.

No meu agradecimento considero importante enfatizar os fundamentos da existência das Forças Armadas como suporte firme da Nação e do Estado Democrático e de Direito em Angola. As FAA transformaram-se num autêntico repositório de valores, num esteio de virtudes para a nossa juventude e o garante último da segurança e defesa da nossa Pátria amada.

Com este convite é-me concedida pela primeira vez a oportunidade de poder transmitir uma experiencia pessoal acumulada ao longo de mais de 30 anos, actuando no binómio militar-jornalista. Como oficial das Forcas Armadas na reforma, tenho a responsabilidade acrescida de agregar suporte doutrinário para que a abordagem não perca rigor científico, quanto aos conceitos comummente utilizados na temática castrense. Por outro lado, como profissional da comunicação social tenho a missão de suportar a minha intervenção com o que de mais recente existe nesta importante área do jornalismo.

Todos os exércitos, tanto em situação de beligerência directa, como em cumprimento de missões de Paz no quadro de organizações regionais ou das Nações Unidas, olham com bastante preocupação a presença massiva de repórteres movendo-se descontroladamente no Teatro das Operações militares, Humanitárias, ou de Manutenção de Paz, recolhendo informações e disseminando noticias em tempo real sobre o evoluir dos acontecimentos no terreno.

A actividade dos jornalistas chega a influenciar o comportamento tanto dos soldados ou combatentes individualmente como pode interferir no posicionamento das forças em presença. Pode precipitar o desfecho de batalhas por um lado e, por outro, consegue propiciar ou evitar a ocorrência de massacres e assassinatos . Do mesmo modo, casos de violações dos Direito Humanos, actos de pilhagem, são frequentemente levados ao conhecimento da opinião pública por intermédio de despachos enviados por jornalistas em serviço nas zonas de conflito.

Constatamos assim, que a mídia internacional elegeu as zonas de guerra como terreno fértil para a sua actividade num ramo onde a concorrência é implacável e acirrada entre os meios de comunicação que nos dias que correm funcionam como poderosos sistemas de média.

No decurso de conflitos em diversos países, verifica-se também a actividade de correspondentes nacionais, a que referiremos num capítulo mais adiante.

Por norma, a actividade dos Correspondentes de Guerra desenvolve-se no quadro do que se designa por Jornalismo Internacional que é a especialização da profissão jornalística na cobertura de eventos estrangeiros ao país onde está sediado o órgão de comunicação no qual ele, o jornalista, presta trabalho. Por isso, a definição tem de ser relativizada pela sua natureza óbvia: o que é assunto "doméstico" num determinado país será "internacional" nos demais.

Como actividade profissional, o jornalismo teria nascido Internacional nos seus primórdios. Os primeiros veículos de imprensa criados com ascensão da burguesia europeia nos séculos XVII e XVIII, surgiram para informar leitores locais, sobretudo comerciantes e banqueiros, sobre factos que aconteciam no exterior.

A partir do Seculo XIX com alguns jornais consolidados na Europa e nos EUA e com inovações importantes operadas no domínio das telecomunicações, nomeadamente a invenção do telégrafo, as notícias de eventos ocorridos no estrangeiro ganharam considerável impulso. Formaram-se as primeiras Agências de Notícias, inicialmente como resultado de associações entre jornais a fim de melhor cobrir temas de grande relevância, como guerras e revoluções. Os primeiros conflitos a receber ampla cobertura jornalística foram a Guerra da Criméia e a Guerra Civil Americana.

Hoje em dia os principais jornais, revistas e Televisões investem altas somas de dinheiro para enviar correspondentes aos locais onde ocorrem conflitos. Existe assim um importante factor de marketing empresarial e político com o envio de correspondentes para estas zonas conflagradas. Custa muito dinheiro, mas dá também muita repercussão. Resultam importantes dividendos para o órgão de comunicação social que consegue manter um correspondente ou um enviado especial num conflito que está a despertar as atenções nos noticiários mundiais.

Procurando escalonar devidamente a minha explanação, gostaria de esclarecer que são considerados basicamente dois tipos de reportagem que podem ser realizadas no exterior atravès de Correspondentes ou de Enviados Especiais. Embora se verifiquem semelhanças entre ambos, as diferenças surgem no quotidiano do trabalho de cada um e da produção de material para os seus respectivos veículos de imprensa.

O Correspondente é um repórter baseado numa cidade estrangeira, geralmente a capital do país,com um raio de cobertura informativa neste país, numa região e às vezes até cobrindo um continente inteiro. O dia-a-dia do correspondente é o de acompanhar a imprensa local, manter contatos freqüentes com jornalistas e identifica fontes estratégicas em diversas entidades do governo, diplomatas, militares, políticos e outras fontes com capacidade de fornecer informações importantes para as suas reportagens regularmente enviadas para a sede do seu meio de comunicação.

Por seu turno, o Enviado Especial é um jornalista expatriado com uma pauta previamente definida, a fim de cobrir ou investigar uma guerra, uma crise, uma epidemia etc. Diferentemente do Correspondente, o Enviado Especial pode produzir uma única matéria, se for o caso, ou uma série, sem necessidade do envio regular de informações para a sede. Esta é a diferença. Normalmente, o Enviado Especial é selecionado entre os profissionais da redação por possuir na bagagem maiores conhecimentos sobre o tema ou sobre o lugar onde ocorrem os acontecimentos. Frequentemente, o enviado passa poucos dias no local e retorna à sede logo em seguida.

Por outro lado, quando os jornalistas trabalham no exterior sem vínculos fixos com os veículos de imprensa ou em regime de prestação de serviço, são chamados de Stringers. Já lhes ouvimos chamar igualmente de Free-lancers. Estes surgem mais em locais onde a mídia de renome não acha interessante ou compensatório manter um correspondente fixo. Os stringers geralmente produzem matérias para vários órgãos de comunicação social e alguns deles chegaram a ganhar notoriedade no seio da classe. Mas na prática trabalham em regime de voluntariado e não possuem um salário fixos e os jornais, revistas e TV apenas pagam aquilo que escolhem e publicam. O valor do material dos Stringers depende de várias circunstâncias, desde o interesse público que o assunto merece à qualidade da própria reportagem.

Como referi, o trabalho de Correspondente de Guerra propriamente dito, surgiu na segunda metade do século XIX, com o envio de repórteres europeus e norte-americanos para conflitos como a Guerra da Criméia, Guerra do México, Guerra do Ópio, Guerra Civil dos EUA, Guerra do Paraguai e Guerra Hispano-Americana. Os registos consideram que o primeiro correspondente de guerra da História da Imprensa foi o irlandês William Howard Russell.

Entretanto, antes já existiam os chamados "cronistas de guerra", que produziam relatos sobre os conflitos, naquela época semutilização de técnicas de produção jornalística. O general romano Júlio César, por exemplo, escreveu crônicas de guerra no seu diário “De Bello Galico”. A diferença com os correspondentes modernos é que estes são enviados especificamente para cobrir conflitos para um veículo determinado, como jornal, TV, rádio e revistas.

É habitual os correspondentes de guerra ficarem baseados numa cidade perto da zona de conflito por existir ali mais infraestrutura e um acesso aos meios de comunicação que lhe permitem rapidamente contactar com a sua redacção na sede. Mas também podem ir directamente para a frente de combate, caso as condições e os militares lhes permitirem.

As modernas tecnologias de comunicação como a internet, permitem maior mobilidade aos correspondentes de guerra. Agora eles conseguem enviar textos, sons e imagens de praticamente qualquer região do globo, incluindo o campo de batalha nos diversos conflitos. O trabalho destes repórteres é de altíssimo risco, mas cada informação obtida tem valor igualmente alto. Os Correspondentes de guerra estão entre as maiores vítimas de casualidades entre a classe jornalística no mundo. Segundo a ONG Repórteres Sem fronteiras (RSF), 66 jornalistas foram mortos em 2011, sendo 20 no Médio Oriente e no Magreb durante a chamada Primavera Árabe, contra 57 mortos registados em 2010.

Trabalhar em zonas conflagradas para mostrar ao mundo as atrocidades de um conflito armado é encarado como o lado mais romântico da profissão de jornalista, contudo os dias passados na frente podem ser incrivelmente amargos. O correspondente de guerra ganha fama e visibilidade, no entanto, a sua rotina é dura e os perigos são constantes. De facto, o trabalho de um correspondente de guerra, já de si perigoso por sua própria natureza, passou a estar ainda mais ameaçado ao longo das últimas décadas. Ainda segundo dados publicados pela ONG Repórteres Sem Fronteiras, foram mortos mais jornalistas no Iraque do que durante os 20 anos que durou a guerra do Vietname.

Em 2007 a Organização das Nações Unidas adoptou uma resolução sobre protecção de civis que incluía também os jornalistas, mas isso não evitou que Marie Colvin, a valente correspondente de guerra do Sunday Times fosse morta na Síria no dia 22 de Fevereiro de 2012. Colvin tinha uma folha de serviços que incluia presença nos mais intrincados conflitos como os da Serra Leoa, da Chechénia, do Kosovo e no Sri Lanka. Em 1999 participou em Timor Leste no salvamento de 1500 mulheres e crianças que estavam cercadas por forças apoiadas pela Indonésia. A repórter recusou sair da zona de ameaçada até conseguir a evacuação em segurança do grupo alguns dias depois. Foi galardoada a título póstumo com o prémio Anna Politkovskaya 2012.

O problema é que os jornalistas se tornaram num alvo nas zonas de conflito e, quando regressam à casa, estão também sujeitos ao chamado stress pós-traumático, tal como acontece com os militares. É por isso que a organização Repórteres Sem Fronteiras propõe formações específicas a todos os jornalistas que pretendam ir para o terreno e a subscrição de seguros que cubram os riscos de guerra.

Em Portugal, por exemplo, foi criado em 2006 um Curso para Jornalistas em Zonas de Conflito autorizado pela chefia do Estado Maior do Exército daquele país e sob coordenação geral do Comando de Instrução e Doutrina em coordenação com o Comando Operacional. O planeamento e a condução da acção formativa foram atribuídos à Escola Prática de Infantaria.

Entretanto, nos EUA e em alguns países europeus surgiram empresas de formação privadas que ministram igualmente estes cursos que englobam a capacidade de sobrevivência em zonas de conflito, o conhecimento sobre o equipamento e armamento mais frequente no teatro operacional, técnica de primeiros socorros, gestão de stress e orientação. Muitos correspondentes de guerra são antigos militares, o que parece constituir uma vantagem adicional.

Como já disse, a origem do jornalismo de guerra remonta à Guerra da Criméia, no século XIX que foi primeiro conflito coberto por agências de notícias ( a Havas e a Reuters) e por um correspondente, o senhor William Russel. Depois, com a invenção do cinematógrafo, o público pôde testemunhar pela primeira vez a Guerra Hispano-Americana em Cuba e nas Filipinas (1898-1899). Foi nessa guerra que ficou constatada a grande influência que os meios de comunicação podiam ter sobre a opinião pública. Um exemplo conhecido que reflete este facto tem como protagonista William Randolph Hearst: este magnata da imprensa estadunidense teria dado ordem a um de seus correspondentes que se encontravam em Havana de que, houvesse ou não houvesse guerra, que mandasse fotografias que ele mesmo providenciaria o conflito.

Os meios de comunicação contam com poder suficiente para dar a cara ao que mais convém ou interessa, tanto a nível político como económico numa guerra. É o caso da famosa fotografia da menina nua a correr depois de um bombardeamento com Napalm durante a guerra do Vietname, dando assim a má imagem que se queria dar do que faziam as tropas americanas contra o povo vietnamita.

Entre os factos curiosos que povoam o mundo dos correspondentes de guerra tem o caso de um repórter que foi demitido por vazar informações militares sensíveis e informar ao mundo sobre a rendição da Alemanha na Segunda Guerra Mundial. 67 anos depois a conhecida agência de noticias Associated Press pediu desculpas ao já falecido repórter Edward Kennedy, que, em 7 de maio de 1945 enviou um telegrama sobre a rendição Alemã que punha fim à guerra na Europa.

Foi a maior notícias que se poderia dar sobre a guerra, mas ele foi demitido da agência AP e expulso pelos militares americanos. Tudo isso porque Kennedy foi um dos 17 jornalistas que nas primeiras horas da manhã do dia 7 de maio de 1945 estava na cerimônia de Reims, na França, na qual as forças alemãs assinaram a sua rendição. Na ocasião todos os jornalistas se comprometeram em manter segredo para permitir a realização de uma segunda cerimônia em Berlim, na qual participariam os militares soviéticos. Foi dito inicialmente aos jornalistas que a difusão da notícia seria atrasada algumas horas e depois por 36 horas, mas Kennedy não quis esperar e difundiu a sua notícia como uma bomba de grande repercursão.

Entre outros acontecimentos bizarros existem também jornalistas querendo ser soldados e soldados querendo ser jornalistas. Essa curiosa simbiose é evidente quando jornalistas de “guerra” falam sobre sua “experiência de combate” com grandes exageros e frequentemente são desmascarados pelos verdadeiros participantes nestas acções, nomeadamente ex-soldados. Quem conta um conto aumenta um ponto.

Com o uso da Internet a transmissão de imagens acontece de forma cada vez mais rápida. E com isso o consumo do produto informação é imediato devido a concorrência entre os meios de comunicação. É preciso fazer tudo rápido, existindo menos precauções a preparar os materiais. Nos anos 1990, os jornalistas tinham direito a uma semana para apresentar uma reportagem. Hoje, este tempo diminuiu para três dias. Quando se trabalha rápido, correm-se mais riscos, evidentemente.

Actualmente situação de crise que se observa na Europa originou a ausência de oportunidades de trabalho no sector da comunicação social. Muitos jovens tentam uma chance em zonas de guerra como repórteres e agem como autênticos aventureiros e imprudentes.

Nos cenários de guerras é difícil prever onde vão cair os projécteis que devido a sua potência destrutiva podem esventrar edifícios inteiros. Além disso, existem equipamentos que detectam actividade de aparelhos digitais. As câmaras térmicas, utilizadas por alguns exércitos, assim com os aviões sem piloto, os drones, complicam ainda mais o trabalho dos jornalistas, principalmente quando eles se infiltram isolados nas áreas onde decorrem as hostilidades.
1975. O jornalista polones Riszard Kapuscinski posa com combatentes das FAPLA participantes na guerra angolana poucos dias antes da proclamação da Independência Nacional. "Eu não escrevo ficção. Os romancistas estão em casa escrevendo em situação confortável. As pessoas não entendem que um trabalho de reportagem exige do seu autor um enorme esforço e correr riscos". (Foto do arquivo de R. Kapuscinski).

       O Caso Americano: o  “embedded journalism”

Este é um caso de estudo, que preferi abordá-lo separadamente. Desde o final da guerra no Vietname, os comandos militares americanos experimentavam sérias dificuldades em lidar com os jornalistas durante suas intervenções armadas. A experiência traumatizante Vietname, resultou do facto de, pela primeira vez, os episódios macabros da guerra chegaram aos lares dos cidadãos do seu próprio país sem censura e com acirrado espírito crítico. Como resultado desta pressão os comandos americanos ampliaram como os entraves acção dos jornalistas nas operações militares. As barreiras podiam ser simples impedimentos de acesso, como aconteceu durante a invasão de Granada ou limitando-os a poucos briefings realizados em hotéis nas proximidades do local das acções ou proporcionando aos repórteres rápidas visitas ao teatro de operações,como foi o caso da segunda Guerra do Golfo que culminou com a invasão e ocupação do Iraque.

A perspectiva da administração Bush era a controlar ao máximo o trabalho da mídia durante os conflitos em que os EUA intervinham. Entre as várias tentativas encetadas destaca-se um golpe de relações públicas concebido pelo antigo secretário da Defesa Donald Rumsfeld. Rumsfeld criou algo “radicalmente diverso”: tornou os jornalistas numa espécie de verdadeiros soldados, mais ou menos como ocorreu durante a Segunda Guerra Mundial. Nasceu assim o jornalismo embedded destinado a cobertura das guerras americanas.

Neste quadro, os jornalistas “encaixados” (embedded) comprometiam-se apenas com um manual de conduta formado por 19 normas. Ficavam impedidos de revelar o local exacto de onde enviavam as suas reportagens nem podiam divulgar o número de baixas militares americanas nos combates. Muitos jornalistas e editores nos EUA submeteram-se integralmente aos militares para ganharem uma oportunidade de cobertura de guerra. Por viverem os mesmos riscos dos soldados e terem sua integridade física inteiramente na mão deles, a maioria dos jornalistas tendia a simpatizar e se tornar dependente dos militares.

A iniciativa de Donald Runmsfeld começava a dar os seus frutos. Um dos exemplos mais escandalosos foi a história da recruta Jessica Lynch, que os correspondentes de guerra do Washington Post descreveram como uma destemida heroína, que enfrentou sozinha os inimigos iraquianos até ser capturada, sofrendo incríveis torturas até conseguir ser resgatada por Forças Especiais dos Marines igualmente numa acção heróica. A própria Lynch desmentiria depois toda a novela criada inteiramente pelos relações-públicas militares e comprada sem nenhuma verificação própria pelo Washington Post .que publicou a reportagem com um destaque que comoveu a América e o Mundo.

A dependência acrítica de jornalistas em relação a fontes de governo levou a outro caso, tão ou mais sério que o da recruta Lynch. A repórter Judith Miller, uma das estrelas do New York Times na cobertura dos bastidores que antecederam à invasão do Iraque, se deixou fiar completamente no que ouvia off the record de seus amigos nos gabinetes poderosos de Washington, em especial o do então vice-presidente Dick Chenney, que a manipulavam de modo muito competente para que ela publicasse as informações que mais ajudassem sua estratégia política e militar e depois se referissem a elas em entrevistas on the record para corroborá-las. Com esta flagrante manipulação, o Times contribuiu para que muitas mentiras sobre supostas armas de destruição em massa em poder do regime de Saddam Hussein se estabelecessem como verdades e servissem de pretexto para a invasão do Iraque, com amplo apoio da opinião pública.

Um estudo publicado em Maio de 2006 realizado pela prestigiada Indiana University sobre a cobertura efectuada por repórteres de Televisão na situação de Embedded com as tropas americanas na guerra do Iraque, questionou a objectividade destes jornalistas.

A pesquisa envolveu 64 repórteres na situação de embedded e 46 como non-embedded e no final concluiu que os repórteres embedded descreviam os eventos sob perspectivas pessoais distorcendo os factos. Numa palavra, os jornalistas perdiam a sua independência, mas que este tipo de jornalismo iria continuar a ser feito por ser uma via de acesso segura.

Num artigo de Patrick Cockburn publicado no Independent e retomado na edição de 23/11/2010 do Guardian, foi defendido que o embedded journalism continuará a ser necessário uma vez que os repórteres de guerra se tornaram alvo de raptos e assassinatos. Transformaram-se, eles próprios, em alvos a abater. A morte de jornalistas no campo de batalha está quase a tornar-se uma rotina macabra. Num dos seus últimos relatórios a Repórter Sem Fronteiras assinalou que desde o início da revolta na Síria 10 jornalistas e 21 cidadãos-jornalistas mortos enquanto trabalhavam. Estes números já estão ultrapassados.

Falei em cidadãos-jornalistas. Esta curiosa nova categoria de repórteres merece igualmente ser destacada. Em conseqüência das dificuldades em manter jornalistas no próprio cenário das batalhas e devido a limitações impostas pelas partes beligerantes, inúmeros órgãos de comunicação social, incluindo os mais conceituados passaram a utilizar informações disponibilizadas por cidadãos-jornalistas. Estas informações são sobretudo imagens de vídeo captadas a partir de modernos telefones celulares que automaticamente são postadas nas redes sociais como o Youtube ou no Twiter. Trata-se  geralmente de imagens muito fortes de combates ou massacres captadas no terreno onde se desenvolvem as escaramuças. Também não deixa de ser importantre referir que muitos desses cidadãos-jornalistas são próprios combatentes e soldaos que estão a lutar no terreno.

Quando se discute a relação entre a mídia e a liberdade de imprensa no caso concreto da cobertura dos conflitos e das guerras o que emerge é o cinismo de quem tem o poder de impor. Vimos o governo do conservador de George Bush empenhar-se em obstruir a acção da imprensa independente de diversas maneiras: proibiu a divulgação de fotos e vídeos de caixões de soldados mortos no Iraque e no Afeganistão, impediu o acesso a imagens de satélites utilizadas para registar operações de tropas dos EUA e dos seus inimigos naqueles países a fim de dificultar o cálculo de vítimas civis.

Foi promovida igualmente uma formidável campanha de propaganda para manter a população em estado de sobressalto e paranóia e justificar os poderes excepcionais conferidos à América para ampliar a sua guerra contra o terrorismo. Isso não é censura? Isso não atenta contra a liberdade de imprensa e contra a democracia, nos termos em que as dizem defender?

A administração Bush impunha e os jornalistas começaram a consentir várias restrições como um dever prestado à pátria ameaçada pelo terror de Bin Laden. Em outubro de 2011, solicitaram que os veículos de comunicação restringissem ao máximo os vídeos e mensagens originadas da Al Qaeda. Todas as emissoras de TV agiram de acordo com esse desejo. Foi a partir dessa altura que começou a ganhar prestígio a rede de TV Al Jazeera, do Qatar, que não compactuava com a censura americana. Uma das mais expressivas conseqüências do 11 de Setembro no jornalismo foi a consolidação da Al Jazeera como fonte alternativa de informação para largas audiências no mundo.

A ética enquanto domínio filosófico que procura determinar a finalidade da vida humana e os meios para alcançá-la empurra-nos para um permanente juízo de apreciação com vista a distinguirmos entre o Bem e o Mal. Enquanto profissional. o jornalista tem obrigações para com a Humanidade na qual está inserido e é moralmente responsável pelas informações que transmite ao público.

Costuma-se dizer que a verdade é a primeira vítima da guerra. Por este motivo os jornalistas continuarão a estar no terreno. Não há como evitá-lo. O trabalho dos correspondentes de guerra é insubstituível. Os correspondentes de guerra nos colocam a par das infâmias, absurdos, situações inacreditáveis de barbárie, injustiças e descaso pela vida humana

Quando recordo os tempos em que trabalhei como reporter de guerra veem-me à memória os juizos azedos de muitos jornalistas estrangeiros que de vez em quando apareciam nas frentes. “Voces jornalistas angolanos não são imparciais”, diziam. Como ser imparcial quando a casa que rebenta com a bomba é de um angolano como eu, meu irmão? Quando o camião que accionou a mina quando transportava comida é do primo e ele morreu no ataque? A terrível verdade para mim, estava mais que clara: quando achavam que já tinham filmado e fotografado o suficiente, ou as coisas ficavam feias demais para o seu gosto os ilustres colegas estrangeiros metiam-se no avião e voltam para a casa, em classe executiva bebendo whisky com gelo. Nós não. Ficávamos na nossa terra. E connosco o nosso sofrido povo, sem coletes à prova de balas e exposto à mais cruel barbárie.

Nós que escolhemos esta profissão devemos ter coragem para fazer a cobertura de guerra. Pudemos sentir medo quando formos enviados para qualquer missão. Quem não sente medo não faz o seu trabalho direito quando se encontra em zona de hostilidades. Falo do medo enquanto instinto de conservação da vida, aquele que nos permite avaliar a dimensão entre o que é possível fazer e o que não passa de pura imprudência, passível de conseqüências nefastas.

Alguns filmes e livros de ficção elevam o correspondente de guerra a um patamar de figura de herói. Mas, na prática, fazer a cobertura de um conflito é uma actividade que exige sacrifício e entrega. Na incerteza das horas e dos dias passa-se por situações de extremo desconforto e muitas vezes de grande perigo, inclusive o risco de perder a própria vida.

Um jornalista morto não serve para grande coisa, disse uma vez um veterano.Não existe matéria jornalística que valha uma vida humana. O grande desafio da cobertura de uma guerra é o repórter conseguir sobreviver para depois poder contar o que viu.

Geralmente os “louros” da cobertura de guerra são atribuídos aos repórteres que assinam as matérias e aos que aparecem a fazer o “In” diante das câmaras vestindo coletes à prova de balas e num cenário bélico mais ou menos montado. A ser feita justiça, esses “louros” devem ir para os câmaraman e os fotógrafos. São eles que têm de chegar perto dos tiros e dos combates para conseguirem as imagens que depois correm o mundo. A eles, portanto, deve recair todo o crédito que merecem os verdadeiros correspondentes de guerra.

A minha homenagem sincera aos homens e as mulheres que arriscam as suas vidas pela informação, por buscarem a verdade dos factos, para que as suas reportagens, filmagens e fotos, como testemunhas fiéis, possam fazer a Humanidade reflectir no sentido de se encontrarem fórmulas de entendimento que evitem mais guerras.

MUITO OBRIGADO !
07/17/12

Referências:
-Dicionário Militar, António Moisés (Edições MK, Luanda,2011).
-Stanford Journal of International RelationsThe "Grunt Truth" of Embedded Journalism May, 2008.
-The New Media/Military Relationship.
- Jose L. Rodriguez, “Embedding Success Into the Military-Media
Relationship” (United States Naval Reserve, Pennsylvania: Carlisle
Barracks, 2004),
0&Location=U2&doc=GetTRDoc.pdf> (accessed 2 May 2008).
- “War Reporting & Technology,” Newseum.
warstories/technology/flash.htm> (accessed 2 May 2008).
- “Public Affairs Guidance on Embedding Media During Possible Future
Operations/Deployments in the U.S. Central Commands Area of
Responsibility,” 3 Feb 2003,
d20030228pag.pdf> (accessed 3 June 2008), Sec 2.C
- Robert D. Kaplan, “The Media and the Military,” The Atlantic Monthly,
Nov. 2004, http://www.theatlantic.com/doc/200411/kaplan
-http:// www.absolutewrite.com/freelance_writing/stringer.htm
-http://handbook.reuters.com/index.php/Dealing_with_stringer
-Intervenções esparsas dos Correspondentes de Guerra Leão Serva  e Samy Adghirni  durante um debate exibido pela TV Brasil 13/09/2011.

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